sábado, dezembro 31, 2005

Julgar o passado...

Quando queremos regressar ao passado, há sempre uma parte de nós que receia, que teme todas essas ideias e nos impede de recordar.
Podemos passar então todo o tempo, a julgar que vivemos com a certeza de quem mais tarde vai recear pensar, no que para nós, é agora o presente. O importante é então não nos demovermos do que no inicio nos projectou a uma analepse sem qualquer significado, julgamos nós. É uma aventura em que partimos, ao nos comprometermos com nós mesmos, ao pensar num passado que nunca terá sido só nosso, e partilhar com aquela nossa parte que sempre esboçou receio, a verdadeira forma de nos sentirmos como nós somos, e outrora fomos.
Assim vivemos uma vida feita de momentos aos quais nos custa dar um só significado, quando essses mesmos momentos são mais que segundos, e se transformam em letras que tendem em não se apagar das páginas de um livro que queremos só nós escrever - a nossa vida.
Tudo em nós surge primeiro como uma vontade nossa, e acaba sempre por coincidir com o percurso de alguém, há um cruzamento de histórias de vida e marcamos sempre a página desse livro que até então alguém quereria escrever só. Basta-nos olhar, falar, tocar, sentir, para que nesse mesmo instante obriguemos alguém a escrever mais uma linha, a impor mais uma vírgula ou até mesmo um ponto final, sem que, quem escreve, o esperasse fazer. Somos importantes para alguém quando menos esperamos, mas a vida é mesmo assim, nunca esperamos receber a quem nunca julgámos dar.

segunda-feira, dezembro 26, 2005

Tempo...

Temos uma vida inteira para nos arrepender do que agora julgamos errado, mas que na altura nos pareceu o mais certo. Vivemos num constante dilema em que o tempo nos julga e em que passamos de vencedores a vencidos, de conquistadores a usurpadores.
Não nos causará por isso sofrimento saber que um dia é sempre um dia, e que nunca deixará de o ser, mas que esse mesmo dia que para nós nada significou, passou a ser mais um pouco de tempo de alguém que passou a considerar os dias aziagos, de ausência, todos aqueles dias, todo aquele tempo.
Se é verdade que o tempo não nos deixa descansar e nos atormenta, errado é quem pensa que o arrependimento é reflexão, é inteligência, pois ter-se-á encontrado a coragem, que outrora faltou, de olhar o passado e tentar compor o que de errado se fez, como se alguma vez as marcas do tempo aquietassem o transtorno de antigamente, a decepção de alguém.
Nada melhor que pensar que não andamos sozinhos nesta vida, e que muitas das vezes nos esquecemos o que é sentir, para passar a sentirmos só nós, mas nunca nos sentindo sós na forma como sentimos. Na verdade, o nosso egoísmo atinge a proporção evidente quando julgamos que temos direito a tudo e os outros a nada, até perceber isso continuamos a sentir e não deixamos que os outros sintam aquilo que para nós é normal sentir. Pensar antes de sentir é mais importante que sentir sem pensar, é negar que alguma vez o tempo possa contrariar todo aquele sentimento que muitas vezes prova não existir.
Todo esse medo faz com que deixemos de dar tempo ao nosso próprio tempo e respectivamente, ao tempo de alguém.

sábado, dezembro 10, 2005

Descrença no individualismo...

Leio com atenção folhas passadas de vidas vividas e pouco estudadas. Lembro sem mágoa alguma, que é bom ser tudo aquilo que os outros não esperam que venhamos a ser. Enquanto seres relacionais, congeminamos constantemente uma situação que nos possa vir a ser favorável e trabalhamos em torno de um qualquer objectivo que até então não haveria razão para existir. Criticamente denominados de demagogos do senso comum, rapidamente se passa de idolatrado, fonte de uma paixão, a um sentimento de revolta por quem usa as palavras em favor de uma causa individual e tão pouco popular, como seria na sua concepção, seu apanágio.
Vive-se assim, entre o medo de ser, e o medo de parecer, constrói-se toda uma vida em torno do hiato entre dois termos para os quais não existe um verbo que os conjugue, de uma forma positiva - a seiva da raiz de todos os valores. Adaptamo-nos, transformamo-nos, inventamos toda uma receita para que nos tornemos os verdadeiros gestores de conveniência em que o último recurso é pautado por uma hipoteca da nossa própria moral, daí provirá toda uma dívida que contraímos toda a nossa vida, sem que nos apercebamos que é isso que realmente estaremos a fazer. Dá-se valor a tudo, que de uma forma ou de outra, pode contribuir para o bem estar de quem procura ser mais.
Julga-se pelo que se diz e pouco pelo que se sente, fala-se demais e escreve-se de menos, enquanto esperamos que as palavras desapareçam da memória, ficam as acções que as motivaram e as consequências que as determinaram.

domingo, dezembro 04, 2005

Só...

Se alguma vez pensei que a solidão me iria importunar nesta minha vida, seria somente nos últimos suspiros de um desespero que julgo longe, e não vejo o porquê de agora pensar de forma diferente.
Acho simplesmente um desperdício de tempo pensar que a solidão pode tomar conta de nós, só porque sim, de um momento para o outro sem que nada o anteveja, sendo que é de facto verdade, que se desaparece da vida alguém com a mesma facilidade que se aparece na nossa, mas na realidade há sempre outras pessoas que ficam, e esses sim precisarão mais de nós do que se calhar nós deles, e sendo essa a causa que nos leva a basear todas as nossas relações nos dias que passam, com certezas constantes da forma como são descartáveis as relações que mantemos e criamos, é então de todo credível, pensar que tudo isto não passa de uma desculpa para que nunca nos sintamos sós, ou até mesmo uma qualquer forma de nos protegermos de algo que negamos sentir, e será sempre um refúgio a ter em conta.
No entanto, é na verdadeira solidão, que construímos os nossos maiores pensamentos, verdade seja dita, que a solidão só é boa quando dela tiramos uma qualquer contrapartida, como o tempo que passamos a pensar no que se fez, ou não, para que se tenha conseguido estar momentaneamente só. Assim, e sem que se veja a solidão como um castigo, ou uma qualquer punição, é o momento ideal de um egoísmo admissível, e mais que tudo, uma porta aberta à reflexão.